27 de jul. de 2009


Péssimas boas notícias

Lúcia Guimarães, NOVA YORK


"Ninguém precisa de nada. Tudo o que você já tem no seu armário, basta." A frase saltou da página do suplemento de Business do New York Times. Não porque eu tenha agonizado sobre a necessidade de três camisetas pretas idênticas. Mas, inserido numa reportagem sobre negócios e proferido pela presidente do Conselho de Design de Moda dos Estados Unidos, o mais poderoso agrupamento da classe, o comentário é relativamente corajoso. Ainda mais se consideramos que ela representa uma indústria especializada em nos convencer de que precisamos mais de gordura do que de proteína no nosso armário. Em proporção inversa, é claro, aos nossos corpos. Perdão, a palavra "gordura" foi usada pela própria Diane von Furstenberg.

A designer e empresária de sobrenome velha Europa disse ao Times que sua indústria precisa de um "laxativo". Torçamos para que não sigam literalmente (nem coletivamente) seus conselhos à risca, tal como os seguidores do pastor Jim Jones na Guiana, porque Nova York já emana odores pungentes o bastante no verão.

"Fabricamos roupas demais. Havia muita gordura e muita gastança." Palavras de quem vai vender US$ 200 milhões em 2009, principalmente exemplares do wrap dresses, a singular e brilhante invenção de von Furstenberg que custa pouquíssimo para fabricar e tem preço mínimo de 300 dólares.

O que há em comum entre a admissão da designer e o desconforto crescente na cultura americana que tanto celebrava o bilionário? (Milionário é tão passé). Só os Estados Unidos poderiam ter produzido uma cultura como a do rap, ancorada na opressão racial e econômica, mas representada por estrelas cobertas de correntes de ouro e anéis de diamantes, que se orgulham de pedir rodadas de champanhe Cristal para a galera de estranhos na mesa ao lado.

Podemos quantificar o desconforto em trilhões em pensões a aposentadorias evaporados desde o ano passado. Ou em outra aritmética. Mais de US$ 23 trilhões da transfusão de sangue do governo federal para a economia. Uma injeção que não vai impedir que o desemprego passe de 10% pela primeira vez desde 1982. Uma quantia maior do que a gasta no New Deal de Roosevelt, na 2ª Guerra e no programa especial da viagem à Lua combinados, em valores atuais.

Não é à toa que um segmento da classe que continua intocada pela crise, mas quer se sentir virtuosa, foi batizada de poorgeoisie. Eles compram um carro elétrico de US$ 100 mil, reciclam o lixo em casa e tentam, sempre que possível, compartilhar a viagem com um companheiro de fortuna em seu jato particular.

Continuam a fazer compras em quartos de hotel e a evitar ser surpreendidos por paparazzi na Madison Avenue, onde lojas de designers, discretamente, começaram a fornecer sacolas sem logos.

No futuro, quem sabe, a segunda semana de julho de 2009 será usada como uma referência psicológica para o teste da paciência do sofrido desempregado ou subempregado americano. Quando grandes bancos (no jargão atual, grandes demais para quebrar), para os quais o Tesouro atirou botes salva-vidas de dezenas de bilhões de dólares em 2008, já devidamente devolvidos ao Tio Sam, anunciaram lucros extraordinários e a volta da orgia de bônus de fim de ano, houve uma pausa.

A pausa foi logo interrompida pelo Prêmio Nobel de Economia de 2008, o colunista Paul Krugman, do New York Times. Krugman é como aquele abstêmio que senta na ponta do bar e não deixa os economistas inebriados celebrarem em paz. Já virou até tema de um cartum delicioso de David Sipress, na New Yorker. Um casal passa por um homem que segura um cartaz em que está escrito "O Fim do Mundo Ainda Vai Chegar" e a mulher pergunta: "Não é o Paul Krugman?"

Depois de parabenizar os banqueiros por suas estratégias, Krugman, que jamais poderia ser acusado de socialista, lamentou a contínua "financialização" da economia americana e concluiu: as boas notícias que eles festejam são péssimas para quase todo mundo.

A celebração do self made man, do profissional que começa como contínuo e acaba presidente da empresa, a noção de que trabalho duro e ambição levam longe, ainda são ideias poderosas no imaginário americano.

Mas há um racha cultural progressivo e a retomada do crescimento econômico sem criação de emprego começa a inspirar um novo populismo de direita. O ressentimento de classe é mais bem explorado por quem não tem compromisso com a classe em desvantagem. Não devemos esquecer que, há menos de dez meses, um falso encanador branco, "Joe, the Plumber", foi usado na campanha eleitoral como arma de propaganda para colar o rótulo de elitista em Barack Obama.

Talvez a rachadura possa ser simbolizada pela palavra sistema. Mesmo um verdadeiro encanador, democrata ou republicano, que jamais atingiria o nível de acumulação de capital visto na última década, se sentia parte de um jogo com regras. O crash de setembro e as escolhas feitas para manter o sistema, expuseram absurdos que abalaram a fé do público. E não há canção de protesto que dê conta desse ressentimento.

2 comentários:

  1. Caro Dario,
    Obrigada pelo interesse mas, se você se compromete a citar fontes, esta é uma coluna regular publicada pelo jornal O Estado de São Paulo. O jornal e a Agência Estado são os donos deste texto. A questão da publicação na íntegra é com a empresa, claro.
    Atenciosamente,
    Lúcia Guimarães

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  2. O que você sabe à respeito do Rap para citá-lo?

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