24 de mar. de 2010


Um “quase” super clássico




Em 1965 o jornalista Gay Talese foi convocado pela revista “Esquire” para fazer uma entrevista com Frank Sinatra.
Ao chegar em Los Angeles para encontrá-lo, descobriu que o cantor não queria falar com ninguém: estava resfriado.
Talese não teve dúvidas. Conversou com amigos e atores, executivos de estúdios, produtores musicais, seguranças e até com uma senhora que acompanhava Sinatra por todo o país carregando uma mala com 60 perucas usadas pelo cantor.
Criou, assim, um dos perfis mais geniais do artista sem nunca ter trocado uma palavra com ele.
Faço hoje referência a esse texto porque queria muito ter o talento de Gay Talese para contar para vocês como foi o jogo do Boca Juniors e River Plate, que eu não fui. E que também não aconteceu.
Como não tenho esse dom, relato pelo menos um pouquinho dos fatos do último domingo.
Estava tudo preparado para eu estar no estádio La Bombonera, coração do bairro de La Boca, durante o chamado “super clássico” do futebol argentino.
Tinha sido escalada para fazer uma matéria sobre o jogo, e as entradas estavam na mão.
No entanto, o plano começou a desandar bem cedo, assim que abri as janelas. Olhei para o céu e vi tudo. Vinha muita água.
Peguei a capa de chuva e fui para as cercanias do estádio, que tem capacidade para 48 mil pessoas. Chegava gente por todo o lado.
Cerca de 700 jornalistas foram credenciados e 1.100 policiais chamados para conter as torcidas. A energia era impressionante.
Os dois times não estão numa fase muito boa, mas parece que isso não faz a mínima diferença para os torcedores.
Ao meio dia começou o aguaceiro. Foi mais ou menos no momento em que fui comunicada que a minha parte da matéria seriam as entrevistas feitas do lado de fora do estádio, no meio da chuva. Ia fazer o que a gente no jornalismo chama de “clima”.
Fiquei mais ou menos duas horas nos arredores do estádio, abaixo d’água. Quando começou o jogo, minha missão era assistir à partida em um dos bares de La Boca.
Então perto das 15h entrei num lugar chamado San Sebastian. Apenas quatro mesas, uma televisão pequena e sem controle remoto num canto, no alto da parede. Uns 15 homens tensos.
Respirei fundo, agarrei forte o meu bloquinho de anotações e encarei a massa masculina. Absolutamente pingando, encharcada.
A área estava dividida. Ao fundo, encostados na parede e com visão melhor da televisão, ficavam os torcedores do Boca. Uns dez. Mais a frente, havia dois torcedores do River e três do Independiente.
Perguntaram o meu time e eu fui logo justificando que era brasileira e torcia para o Internacional de Porto Alegre. Improvisaram uma mesa no meio do bar para mim.
Foi o jogo mais rápido do mundo, suspendido aos 11 minutos devido às péssimas condições do campo. A pelota não andava por causa do dilúvio.
Foi a primeira vez em mais de 300 partidas que um Boca-River foi suspenso por causa da chuva.
Depois do jogo, levei mais uma hora e meia na chuva para conseguir taxi. Quando cheguei em casa, me dei conta que estava sem as chaves. E aí fiquei mais um tempinho curtindo um frio, para não perder o hábito.
Foi sentada num degrau, esperando que alguém chegasse logo, que me lembrei da não entrevista do Sinatra.
E pensei que naquele domingo, a chuva, assim como o resfriado do cantor, tinha sido a grande protagonista.
A parte boa dessa história é que quinta-feira tem jogo de novo. Parece que o tempo vai estar bom e tenho entradas. E, diferente de Sinatra, incrivelmente não estou resfriada.

Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo (giseleteixeira.wordpress.com), com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha.

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