16 de jul. de 2009

deu no JB


Deu pra eles e pra nós

Ricardo Schott

O Rio Grande do Sul, para Kleiton e Kledir Ramil, é aqui no Rio, onde moram desde 1977. Mesmo distante por alguns milhões de quilômetros, o estado gaúcho paira sobre as lembranças de infância da dupla, sobre os conceitos de algumas canções novas dos músicos e até pelo dia a dia dos dois irmãos, que mantêm o sotaque da região e não largam suas cuias de chimarrão por nada. Lançando um pioneiro CD/DVD formado apenas por músicas inéditas, Autorretrato (Canal Brasil/Pandorga/Som Livre), comemoram o fato de a nova geração de músicos gaúchos não precisar sair de lá para fazer e divulgar sua música – graças às pontes garantidas pela internet e pela curiosidade natural adquirida pelo público após o êxito de vários artistas vindos de terras gaúchas.

– Hoje até tem bandas, como o Cachorro Grande e o Fresno, que são gaúchas mas deixaram Porto Alegre, foram para São Paulo. Mas nem é necessário – lembra Kledir. – Vê só o caso do Papas da Língua, que conseguiu até ter música em novela e fazer muitos shows no Rio sem sair de lá. É gostoso não precisar sair do Sul, repare que até bandas como Nenhum de Nós e os Engenheiros do Hawaii voltaram. Para nós é diferente, viemos cedo e fizemos nossas famílias aqui.

Direto do túnel do tempo, Kleiton recorda a época em que os irmãos de Pelotas, interior do Rio Grande do Sul, começavam a carreira em grupos como o célebre Almôndegas (do hit único Canção da meia-noite, imortalizada pela trilha da trama global Saramandaia , em 1976).

– Para se ter uma ideia, quando os Almôndegas montaram seu primeiro show, não havia mercado para equipamentos por lá e tivemos que usar uma empresa que botava som em igrejas – lembra Kleiton. – Eu me sinto privilegiado. Nasci no interior, fui para Porto Alegre com 18 anos só e, antes disso, já estava envolvido com a música, tocando violino, desde os 9 anos. Com os Almôndegas, conseguimos ser a primeira banda gaúcha a ter material veiculado nas rádios de lá, após gravar uma fita na rádio Continental para mandar às gravadoras.

Amigo da dupla e autor de uma música gravada por eles em 1983, 433, o cantor e compositor conterrâneo Bebeto Alves elogia o pioneirismo e a determinação dos irmãos Ramil. E diz que ainda hoje nem tudo é fácil para os gaúchos.

– Não existe uma leitura do que a gente faz, ainda falta um entendimento porque a gente se refere, nas letras, à nossa mitologia – afirma Alves, que também vive no Rio e lançou recentemente o CD Devoragem. – Ainda somos uma incógnita no território cultural brasileiro.

Kledir brinca que até os fãs da dupla têm dificuldade de entender algumas coisas.

– Eles me chamam de Kleiton direto, por exemplo. Mas acho que confundem mais o Kleiton comigo, porque o primeiro nome é o dele. Já tive que assinar por ele em autógrafos! – graceja. – Até quando ele foi casar o padre se confundiu e perguntou à noiva: "aceita Kleiton e Kledir como seu legítimo esposo?"

Como verdadeiros embaixadores da música de seu estado, os dois acompanharam o surgimento de uma verdadeira gama de artistas, que vai do mano mais novo Vitor Ramil a nomes quase contemporâneos, como Bebeto, Nelson Coelho de Castro e Nei Lisboa. Além de artistas que muita gente não relaciona como gaúchos, como Adriana Calcanhotto.

– Ah, mas uma vez, conversando com Adriana, disse a ela que suas linhas melódicas, longas, têm a ver com o pampa gaúcho – afirma, bem-humorado, Kleiton, que, formado em música eletroacústica pela UFRJ, responde pelo lado mais experimental, quase erudito, da dupla. – Ouço mais música clássica e instrumental do que popular e tento trabalhar num limite, para não deixar a música "impopular".

No DVD, para manter a linha popular que tornou canções como Deu pra ti, Maria fumaça e Paixão sucessos de rádio, contaram com a ajuda do produtor galês Paul Ralphes. Radicado no Brasil desde os anos 90, conhece bem a dupla, e trouxe para ela um som "de banda", que se casa com as propostas de Jam da Silva (percussão) e Luciano Granja (guitarra).

– Quisemos preservar nosso estilo dos anos 80, mas modernizá-lo – conta Kleiton. – E foi legal fazer o DVD, porque estou bem mais interessado nisso do que em CDs.

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