24 de mai. de 2010


CARTAS DE LONDRES


A esquina mais democrática de Londres


 Semana passada, em frente ao Parlamento, uma moça gritava: “Tropas fora do Afeganistão! Tropas fora do Afeganistão!” Completamente nua, estava ela em cima de um dos tradicionais black cabs, os táxis londrinos, que por sinal nada tinha a ver com a história.
Naquela hora a inglesa fazia coisa de que pouca gente gosta (ou gostava) de fazer aqui neste país: re-cla-mar.
Digo que pouca gente gosta porque se sabe que a fama dos ingleses é de povo que sabe, como ninguém, “engolir sapo”. Se vão a um restaurante e a comida não está boa, deixam tudo no prato e, silenciosamente, prometem nunca mais voltar ao estabelecimento. Jamais em voz alta, jamais.
Desconfio, no entanto, de que o hábito tem mudado. O que tenho visto de gente reclamando por aqui não é brincadeira. Falam do governo, dos impostos, do serviço de saúde, do tempo, da invasão de imigrantes, do barulho... De tudo, praticamente.
Sinais dos tempos?
No ano passado, por exemplo, foi inaugurada em Nottingham (a encantadora cidade do Robin Hood, onde estudei), uma filial, por assim dizer, da famosa Speakers’ Corner, ponto de protesto e uma das mais famosas atrações londrinas.
Já faz mais de 150 anos que um pedaço do Hyde Park é destinado àqueles que desejam falar em público e dar opinião a qualquer pessoa que se disponha a parar e ouvir. A Speakers’ Corner fica no final da Oxford Street, exatamente onde a rua de encontra com o parque.
Passar um tempinho lá pode ser programa de índio, dependendo do protesto da hora. Mas se der sorte, é possível presenciar discussões ferinas.
À primeira vista, alguns palestrantes podem inspirar pouca credibilidade, mas quem conhece a história da SC garante que por lá já passaram mentes brilhantes, como Karl Marx e George Orwell.
Quanto aos ouvintes, como não há regras para o debate, qualquer um pode entrar na discussão. E não precisa ser morador da cidade não. Estrangeiros e turistas são bem-vindos.
Mas nem tudo é festa.
Apesar de democrático, o espaço é vigiado de longe pela polícia local, que pode agir caso as discussões fiquem mais calorosas, ou caso haja alguma reclamação por parte do público.
Parte do roteiro turístico da cidade, a Speakers’ Corner já foi tema de dissertação, documentário, livro e tem até uma lista de tópicos mais populares. Política, religião e moral estão entre eles. Ah, futebol também.
Em Nottingham, o local escolhido para a Speakers’ Corner foi a praça central, onde lê-se em uma placa um pensamento do escritor D. H. Lawrence: “Fique quieto quando não tiver nada a dizer; quando uma vontade genuína nascer em você, diga o que tem a dizer, e diga com paixão”.
Notts ganhou a primeira Speakers' Corner oficial localizada fora de Londres. Mas dado o aumento no número de reclamações por aqui, o exemplo deve ser seguido por outras cidades rapidinho, rapidinho. Daqui a pouco, botar a boca no trombone vai ser um dos esportes mais praticados pelos ingleses...

Mariana Caminha é formada em Letras pela UnB e em jornalismo pelo UniCEUB. Fez mestrado em Televisão na Nottingham Trent University, Inglaterra. Casada, mora em Londres, de onde passa a escrever para o Blog do Noblat sempre às segundas-feiras. Publicou, em 2007, o livro Mari na Inglaterra - Como estudar na ilha...e se divertir

Nenhum comentário:

Postar um comentário