6 de mai. de 2010


CARTA DE BERLIM


Mark Twain e a terrível língua alemã



Lendo a mídia alemã nas últimas semanas, não tinha pra ninguém: caos aéreo, escândalos dos padres alemães, crise na Grécia, crises e mais crises. Nada que salvasse da mesmice burocrática do jornalismo essencialmente chato, até que se prove o contrário. O centenário da morte do escritor americano Mark Twain (comemorado no último dia 21) foi assunto constante por aqui em todos os veículos possíveis e salvou a pátria.

Em um momento extra bucólico, enquanto escutava alguma das rádios “de conteúdo” alemãs, onde o locutor lê trechos de livros durante minutos infindáveis, descobri por acaso que Mark Twain escreveu uma espécie de “manifesto” em homenagem à sua infeliz relação com o idioma alemão. Se chama “The Awful German Language” (a terrível língua alemã) e é um tratado bem humorado sobre a penitência dos pupilos, inclusive a dele, durante o aprendizado dessa língua “com mais exceções do que regras”. O pequeno capítulo faz parte do livro „A Tramp Abroad“, onde escreve sobre suas andanças pela Europa.

Estamos em 1878, quando Twain visita a Alemanha pela segunda vez e sai pelo país promovendo leituras do seu texto em troca do dinheiro pelas entradas. Ficou por um tempo na cidade de Heidelberg, onde se concentrou de vez nos estudos do alemão e até traduziu um livro infantil para o inglês. Mas nunca se aventurou em um Goethe, como podemos concluir a seguir.

“É impossível para um estrangeiro ler um jornal alemão, a não ser que ele o segure em frente a um espelho, para que possa enxergar o texto ao contrário”, desabafa o repentino cronista linguístico. No alemão, uma das coisas mais “peculiares” (vamos tratar com delicadeza, sem elaborar nossa raiva) é a presença do verbo, na maioria das construções, sempre no final da frase. Não importa o conteúdo ou a quantidade de linhas e reverberações. Em outras palavras, quando você se empolga e sai formulando um raciocínio complexo, muito cuidado nessa hora! Há grandes chances de você esquecer do verbo, partícula importantíssima do discurso, até então. Assim, nos jornais alemães, quando a excitação dos jornalistas é tanta, conta Twain, e eles se empolgam com mil apostos e parênteses, o verbo vai parar na próxima página! Já houve casos, reza a lenda, em que as prensas começaram os trabalhos sem o verbo.

Aliás, este vácuo entre objeto e verbo é sinal de escritor“ iluminado e de alto intelecto”. Em português é “feio” colocar vários apostos e parênteses em um só período. Twain diz que em inglês também é assim, e isso denota um desvio na capacidade intelectual do escritor. Contudo, na terrível língua alemão, acontece o contrário: quando mais parênteses, apostos, vírgulas e linguiças antes do ponto final, mais “iluminado” é o escriba. Inexatidão e repetição de palavras parecem não ser um problema para os escritores alemães.

Isso sem falar nos palavrões e expressões de revolta em alemão. Segundo Twain, o efeito destas palavras é tão fraquinho, que nem pega mal uma mulher sair por aí esbravejando sua ira no alemão mais sujo que encontrar pela frente. Bem, para uma língua que já soa tão “EI,VOCÊ AÍ! PARADO!”, realmente não são necessários palavrões que ultrapassem a barreira do decibel natural na língua. Uma das propostas de Twain para esse problema seria o idioma alemão “pegar emprestado” algumas palavras de efeito da língua inglesa. Menos, Twain! Afinal, como o senhor mesmo disse, no alemão “algumas palavras são tão longas que têm até uma perspectiva”. 

Uma pérola do dia-a-dia como “Stadtverordnetenversammlungen” (significado humilde: reunião de conselho) pode muito bem contrair contexto de palavrão, dependendo do humor. Exemplo:
- Mas o que foi que eu fiz?? 
- Você sabe muito bem, seu maldito Stadtverordnetenversammlungen!!
Outro grande problema para Twain é a famigerada declinação. “Ouvi dizer de um estudante californiano em Heidelberg, que ele preferia declinar 2 drinks a declinar um adjetivo em alemão”. Quão grotesco ainda era o fardo dos gêneros! Por que diabos “menina” é neutro e “ábobora” é masculino? Uma abóbora é mais assexuada que uma menina?, se pergunta o escritor americano. Essa aí eu tenho certeza que até os falantes do alemão se perguntam.
Por essas e outras, a partir de seus „estudos filológicos”, Twain concluiu o seguinte: um estudante “bem dotado” leva 30 horas para aprender inglês, 30 dias para francês e 30 anos para o alemão.
Por favor, não se desmotivem, estudantes de alemão. Está na cara que Mark Twain fez uma tempestade num copo d’água, como todo bom americano.

Tamine Maklouf é jornalista e ilustradora nas horas vagas. Mora na Alemanha desde agosto de 2009, onde se encontra na “ponte terrestre” Dresden-Berlim. De lá, mantém o blog www.diekarambolage.wordpress.com

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