24 de abr. de 2010


Tudo cinza



O final de semana tinha amanhecido bonito, sem chuva, especialmente convidativo pelo ainda discreto calor da primavera que começa a se instalar. Mas no lugar do azul habitual, o céu de Paris estava cinza claro, quase branco. Achei que devia ser poluição - até me lembrar que aqueles tons tristonhos deviam ter algo a ver com as cinzas do vulcão que se dispersavam então pelo céu francês, provocando o fechamento do espaço aéreo do país.
Desde que começou a erupção do vulcão de nome impronunciável (veja o vídeo [LINK:http://www.liberation.fr/brut-de-net/06011886-vous-avez-dit-eyjafjallajokull] retransmitido pelo Libération sobre a dificuldade dos jornalistas do mundo todo em pronunciar Eyjafjallaköjul!) os franceses não param de calcular os prejuízos.
Os mais visíveis: as empresas aéreas européias contam ter deixado de arrecadar 1,26 bilhões de euros nos seis primeiros dias da suspensão do tráfego aéreo. No sábado e no domingo, a perda chegou a contar quase 300 bilhões de euros por dia para algumas empresas.
Pelo menos cinco companhias áreas de pequeno e médio porte ameaçam pedir falência. A perda de receita soma-se aos custos de manutenção dos passageiros em terra - um valor estimado em 35 milhões de euros por dia de paralisação, segundo a Air France.
A isso somam-se as perdas com exportação e importação, atrasos na correspondência, distribuição de alguns alimentos.
Para a população em geral, mais palpáveis que esses prejuízos são os dramas pessoais dos mais de 43 mil franceses que ficaram presos longe de casa. Pessoas que estavam em viagens de negócios ou de férias e que só agora, com quase uma semana de atraso, começam a voltar.
Em outros casos, a frustração é de nem ter ido: em Paris e em toda a França as férias de primavera começaram na última segunda-feira, com duração de duas semanas.
Trata-se de uma das pausas mais esperadas pela população escolar - a dois passos do fim do ano letivo, costuma ser a época escolhida para as viagens de turma, de estudo e para o reencontro com a natureza, que começa a dar as caras nessa época do ano.
A filha de um amigo é o exemplo mais claro da desolação causada pela suspensão dos voos - depois de estudar chinês por dois anos no segundo grau, e graças a muita economia no orçamento doméstico, Matilde embarcaria sexta-feira passada para uma temporada de duas semanas em Pequim. Não embarcou - e ainda nem sabe se terá a oportunidade de fazê-lo, pois não se trata apenas de remarcar uma passagem.
Para quem não pretendia deixar Paris pelo ar, no entanto, a erupção do vulcão islandês não trouxe muitas mudanças. Já me perguntaram aí do Brasil se há fragmentos de cinzas pelas ruas, nas calçadas - a resposta é não. Nem sinal.
A maior mudança perceptível na paisagem da cidade nos últimos dias foi a ausência das pequenas linhas brancas traçadas pelos aviões em altitudes elevadas - que normalmente são numerosos a ponto de rabiscar o céu de Paris de ponta a ponta em dia de poucas nuvens. Chegava a ser meio solitário ver o céu tão desacompanhado. Desde ontem que, aqui e ali, os pássaros de ferro voltaram ao seu habitat.

Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris, de onde mantém o blog Le Croissant (www.le-croissant.blogspot.com)

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