23 de mar. de 2010



O RIO NA SALMOURA


Chico Alencar
 

Sex, 19 de março de 2010 11:28
Chico Alencar
Chico Alencar
O verbo 'salmourar' tem sentido figurado: moer, maltratar, pisar.  É o que foi feito, na Câmara dos Deputados, com os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, e seus municípios, ao se aprovar a "emenda Ibsen", que redistribui os royalties do petróleo futuro, do pré-sal, e do atual, dos campos do pós-sal já licitados.
Um texto-base, bem equilibrado, tinha sido aprovado para os recursos do pré-sal. Os estados produtores ficavam com 26,5% dos royalties e os municípios confrontantes com 18%. As cidades afetadas por operações de embarque e desembarque levariam 5%. A União ficaria com 20%, os estados não produtores com 22% e todos os demais municípios brasileiros com 8,75%. Mas o relator Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN), estranhamente, se disse convencido de que seu "criterioso trabalho" (palavras dele) não devia prevalecer...
Aberta a porteira na "base do governo", a emenda aprovada - contra apenas 72 votos - jogou tudo isso fora. Alegando o interesse nacional, deputados do Brasil inteiro - exceto os do Rio (apesar de um voto favorável e quatro ausências), do Espírito Santo e alguns de SP - colocaram na lei, a ser ratificada ou não pelo Senado e sancionada ou não pelo presidente da República, que todos os royalties do petróleo do pós-sal e do pré-sal, para além da parte da União, serão divididos igualmente entre estados e municípios (50% para cada ente), através dos seus Fundos de Participação (FPE e FPM). Posição sincera de diversos, demagógica de outros, sedutora para quase todos!
O princípio da compensação para estados e municípios confrontantes e produtores foi para o lixo: "recursos que o petróleo gera são de todo o país!" - era o discurso empolgante e repetido. Um deputado chegou a dizer que aquela votação era "a mais importante do século"!  A valer isso, vamos então aprovar uma nova repartição, rigorosamente igualitária para todos os estados e municípios do país, das riquezas provenientes dos minérios de Minas, dos recursos hídricos da Amazônia, do turismo ecológico do Pantanal ... Enquanto isso, a sangria do pagamento de juros da dívida (36% do Orçamento de 2009), do sistema tributário injusto e da corrupção continuam.
O mais grave é a incidência imediata da nova distribuição sobre áreas já licitadas pelo atual regime de concessão. As prefeituras e os estados que têm planejamento a partir da expectativa de receitas sofreram um duríssimo golpe.  No Rio de Janeiro, a capital perderá mais de R$ 20 milhões, já no ano que vem - se a emenda for, afinal, aprovada. Outros municípios serão "garfados" fortemente, como Campos (68% de seus recursos orçamentários derivados do petróleo), São João da Barra (81%), Rio das Ostras (67%), Casimiro de Abreu (53%), Búzios (49%) e Macaé (44%). O estado, que produz 85% do petróleo nacional, perderá nada menos que R$ 4,7 bilhões, 95% a menos do recebido hoje, ficando com apenas um milésimo da riqueza aqui gerada! Baque violento, por exemplo, no Fundo de Previdência, que paga - precariamente - os nossos 220 mil aposentados.
Os recursos do petróleo precisam sempre ser utilizados de forma honesta, para atender as reais necessidades da população, o que nem sempre acontece. Mas aí já é outra batalha, que devemos travar com igual intensidade.
Ainda há chances de reverter o possível esbulho.  O projeto vai para o Senado. Se for emendado lá, volta à Câmara. Só depois disso chega à sanção do presidente da República.  Com mobilização e argumentação, poderemos vencer.
18/03/2010
Chico Alencar é professor de história e deputado federal (PSol-RJ)

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