17 de mai. de 2009


Autodestruição em casa

por Clarah Averbuck 

Sou a favor do tabagismo. Na verdade, sou a favor do direito ao tabagismo. Algo como "Ai, me deixa, não me peguem pelo braço". Mas também sou a favor da nova legislação [sancionada pelo governador José Serra, no último dia 7, a lei antifumo entra em vigor em agosto no Estado de São Paulo. Fica proibido o consumo de cigarro em locais públicos total ou parcialmente fechados].

Vai ser difícil. Torturante. No entanto, estou prestes a me tornar uma balzaquiana e decidi tentar ser mais altruísta.

Claro que os não fumantes têm direito de não respirar a fumaça alheia e manter seus pulmões limpinhos e suas roupas cheirosas para viver até os 90 anos fazendo pilates. Nós, fumantes, também queremos chegar em casa em um estado decente, sem o cabelo fedendo e tendo que jogar as roupas direto no cesto.

Onde vamos fumar nosso cigarrinho em paz? Em casa. Socialmente não pode. Fumantes são tratados como anomalias: seres imundos e fedorentos que devem ficar lá fora, longe, isolados de qualquer contato social e olhados de soslaio pelos não fumantes. Ou pelos ex-fumantes, que são piores ainda.

Vamos pensar em um lado positivo. Quando fui a Nova York, fiz vários amigos fumantes que iam para a rua fumar um cigarrinho. Ainda bem que era verão. Não deve ser nada agradável ter de fumar no frio, na neve. Nem os mendigos estarão lá para nos fazer companhia.

Em todos os lugares, fumantes passaram a ser tratados como doentes. Só falta adicionar naquelas plaquinhas afixadas nos elevadores: "É proibida a discriminação por raça, credo e tabagismo". O que pretendem com isso? Dizem que é para reduzir as mortes causadas pelo cigarro. Desculpe, mas eu sei -e todos os fumantes sabem- que fumar não é uma coisa saudável, que nos leva à longevidade.

Sem essa de ficar processando a companhia de cigarros quando estiver com os pulmões podres e com câncer. É como processar uma marca de uísque alegando não saber que causa cirrose. Nada de errado em avisar que o fumo faz mal, assim não tem mesmo como encher o saco depois. Mas tentar proibir as pessoas de fazer o que elas bem entendem é terrível. Dá licença se eu quiser morrer?

E agora como fica aquela velha cantada, a mais usada depois de "Você vem sempre aqui?". A infalível e inegável, além de dúbia, "Tem fogo?". E quando quisermos ter um ar blasé, como fica? O que a gente sopra com a sobrancelha levantada? Um catavento? O que a gente faz para esperar no balcão do bar? Rói as unhas? Limpa o ouvido com o dedinho? E para comemorar algo? Acende um incenso? Não dá, não dá.

O que vai acontecer comigo é que vou começar a comprar bebida para poder me entorpecer e fumar no conforto do lar. Então, por favor, parem de nos aconselhar e deixem que cuidamos da nossa autodestruição.

* * *

A escritora Clarah Averbuck, 29, tem quatro livros publicados e adaptados para teatro e cinema, fuma há 15 anos e é a colunista convidada desta edição.

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